sábado, 7 de novembro de 2009

HISTÓRICO DOS SÍTIOS ICNOFOSSILÍFEROS


Há cerca de 80 anos, no início da década de 20, Luciano Jacques de Moraes, um engenheiro de minas brasileiro, trabalhava para o Departamento Nacional de Obras contra as Seccas (DNOCS) na região Nordeste do Brasil, até então muito pouco conhecida geologicamente. No oeste do estado da Paraíba, Moraes descobriu duas pistas em rochas do leito do rio do Peixe, na localidade de fazenda Ilha. Tratavam-se de duas pistas de diferentes dimensões que se intercruzavam e possuíam distintos produtores.
Aparentemente Moraes enviou uma laje com uma pegada original escavada da pista codificada como SOPP2 e um molde de uma pegada da pista SOPP1 para os Estados Unidos para ser estudada por paleontólogos norte-americanos. Jamais recebeu qualquer resposta sobre o material enviado. Apesar das tentativas feitas por Giuseppe Leonardi, durante o ano de 1985 em reencontrar este material (o qual acreditava-se estar no American Museum of Natural History), nada foi localizado. Em seu livro, Moraes(1924) classificou a maior pista (SOPP1) como de um Stegosauria ou secundariamente como Ceratopsia; evidentemente ele a interpretou como pertencente a um quadrúpede. Atribuiu a pista SOPP2 como de um dinossauro bípede, sem definir entre os Theropoda ou os Ornithopoda. Moraes descreveu as pistas em detalhe, com desenhos e fotografias. Também extrapolou as dimensões dos presumíveis produtores das pegadas. Um trabalho meticuloso para a época; contudo Moraes não era nem um icnológo, nem um paleontólogo e seus desenhos mostram algumas incorreções.
Luciano Jacques de Moraes enviou fotografias para F. von Huene da Universidade de Tübingen (Alemanha), o qual publicou em seu livro de 1931 os desenhos de Moraes. Huene (1931) descreveu a primeira pista (SOPP1) como a de um quadrúpede com total sobreposição dos pés, e a segunda pista, como a de um bípede (SOPP2). Ele atribuiu a pista SOPP1 aos ceratópsidos ou preferencialmente aos nodosaurídeos e SOPP2 aos ornitópodes tracodontídeos ou kalodontídeos. A classificação de Huene baseou-se nos desenhos de Moraes. Huene trabalhou no Brasil nos anos 20, mas nunca visitou a Paraíba.
As pistas descritas por Moraes em Sousa foram novamente analisadas em 1969 por Llewellyn I. Price (1961) com Diógenes de Almeida Campos do Departamento Nacional da Produção Mineral.
Em 1975 Giuseppe Leonardi visitou Sousa e encontrou as pistas que até então encontravam-se esquecidas. Posteriormente uma lenda local surgiu: aquela que as pistas haviam sido descobertas por um fazendeiro da região, Anísio Fausto Silva. O centenário desta descoberta foi celebrado em Sousa em 1997. Provavelmente as principais pistas tenham sido obsevadas por muitos fazendeiros, e antes deles mesmo por índios, devido ao fato de serem muito evidentes. Contudo, a descoberta, com um caráter científico, deve ser seguramente atribuída a Moraes. Localmente as pegadas são conhecidas como "pistas de boi" (SOPP1) e "pistas de ema" (SOPP2). Em 1975-1976 Leonardi escavou estas duas pistas a partir de dois metros de areia acumulada pelo rio do Peixe e através da margem do canal, descobrindo cinco novas pistas (Leonardi, 1979a). Em 1977 Leonardi descobriu novas pistas na fazenda Ilha e algumas outras localidades (Leonardi,1980c,1994): Poço do Motor, Pedregulho, Piedade e Juazeirinho na Formação Sousa; Serrote do Letreiro na Formação Antenor Navarro, considerada até então como uma unidade paleozóica. Uma pegada incomum (em realidade duas pegadas sobrepostas de Grallator mas erroneamente interpretadas por Leonardi como Isochirotherium sp.) sugeriram uma idade (incorreta) triássica para este nível (Leonardi, 1979b, 1980b). Contudo, foi posteriormente percebido que todo o Grupo Rio do Peixe pertencia ao Cretáceo Inferior e que o contato entre suas unidades era transicional (Carvalho & Leonardi, 1992). Outras expedições de Giuseppe Leonardi se seguiram (28 ao todo, conforme Leonardi, 1994, p. 169), compreendendo quase que um ano ao todo de trabalhos de campo, apoiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Na expedição de 1979, Leonardi (1984b, 1994) descobriu os sítios de Piau-Caiçara e Matadouro (Formação Sousa); Serrote do Letreiro (Formação Antenor Navarro), Mãe d'Água e Curral Velho (Formação Piranhas). Em 1980 e 1981 ele trabalhou no sítio Piau-Caiçara, enfatizando o comportamento dos dinossauros produtores das pegadas (Godoy & Leonardi, 1985). Durante o ano de 1981 descobriu, junto com Geraldo da Costa Barros Muniz, pistas dinossaurianas relacionadas às bacias de Lima Campos, Iguatu e Palestina (Leonardi & Muniz, 1985; Leonardi & Spezzamonte, 1994). Realizou a expedição Ligabue de 1983, que representou uma ação conjunta dos paleontólogos Giancarlo Ligabue (Veneza - Itália), Philippe Taquet (Museu de História Natural de Paris - França), Díógenes de Almeida Campos (Departamento Nacional da Produção Mineral - Brasil), e outros (Leonardi, 1984a). Posteriormente as pegadas receberam as visitas de inúmeros paleontólogos, bem como de turistas. Em 1984, Leonardi descobriu os sítios do Zoador, Barragem do Domício, Poço da Volta e Engenho Novo na Formação Sousa; Aroeira e Cabra Assada na Formação Antenor Navarro (Leonardi, 1985, 1994). A partir de 1994, Leonardi associou-se ao trabalho de campo com Maria de Fátima C.F. dos Santos e Claude L. de A. Santos do Museu Câmara Cascudo de Natal (Rio Grande do Norte, Brasil), frequentemente com Ismar de Souza Carvalho (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil) (1989, 1992, 1994) e Luís Carlos Godoy (Ponta Grossa, Paraná). Em 1985 W.V. Barbosa descobriu o sítio Várzea dos Ramos. Em 1987 Ismar de Souza Carvalho com Leonardi descobriram o sítio Pocinhos na bacia de Brejo das Freiras (Carvalho, 1989, 1996a).
Durante todos esses anos, um longo e muitas vezes infrutífero esforço foi feito para obter a proteção destes sítios em todos os níveis administrativos dos governos municipal, estadual e federal para o estabelecimento do Parque Natural Vale dos Dinossauros. Em 1984, Leonardi com João Carlos M. Rodrigues do Museu Emílio Goeldi de Belém (Pará) iniciaram a construção de réplicas dos principais tipos de dinossauros encontrados em Sousa. Em 1988 foram descobertos os sítios de Saguim e Piau II por Leonardi, juntamente com Anna Alessandrello do Museo Civico di Storia Naturale de Milan (Itália). Leonardi e Alessandrello exploraram a bacia de Pombal sem nenhum resultado positivo. O sítio Paraíso foi descoberto em 1992 por Sérgio Alex Kugland de Azevedo (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional; 1993). Após Leonardi ter deixado o Brasil em 1989, o trabalho icnológico de vertebrados vem sendo sistematicamente realizado por Ismar de Souza Carvalho (Carvalho et al., 1994, 1995; Carvalho, 1996a; 2000a, b), o qual vem descobrindo novas localidades icnofossilíferas em parceria com pesquisadores (Maria Somália Sales Viana, Mário Lima Filho e Narendra Kumar Srivastava) de instituições universitárias localizadas no Nordeste do Brasil (Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Nenhum comentário:

Postar um comentário